domingo, 28 de agosto de 2011

70 Anos de Habitação Social no Brasil






Cidade Tiradentes - O Estado de São Paulo - 28/08/2011



Neste domingo, dia 28 de agosto, saiu no Estadão importante matéria sobre os 70 anos da habitação no Brasil, desde as primeiras implantações (posteriores às vilas operárias) da época do Governo Vargas, com tipologias modernas, exemplo do Conjunto Várzea do Carmo, no Glicério, do arquiteto Attilio Corrêa Lima (o mesmo que projetou o Aeroporto Santos Dumond/RJ) encomendada pelo antigo IAP (Instituto de Previdência) e posteriores implantações pelo BNH (na ditadura militar), COHAB (anos 80), Cingapura e CDHU, estas , com foco na quantidade e não na qualidade, as preocupações arquitetônicas ficaram em segundo plano dando lugar a tipologias com apartamentos pequenos, com pouca ventilação e iluminação, acabamentos ruins, etc. Nestes últimos 10 anos, há indícios de melhora na qualidade e tendência de crescimento de boa arquitetura neste segmento, exemplo do Conjunto Heliópolis (Redondinhos) do arquiteto Ruy Ohtake e do Conjunto Nova Jaguaré dos arquitetos Marcos Boldarini e Sergio Faraulo (este último conjunto do Jaguaré me agrada bastante, principalmente a possibilidade do convívio dos moradores).


Dado interessante é que 10% da população da cidade de São Paulo mora nos conjuntos habitacionais, mas 16% ainda habitam nas favelas.


A seguir, transcrevo texto do arquiteto Milton Hatoum que faz um leitura da moradia em São Paulo e destaca uma nova geração de arquitetos como o escritório Usina e Marcos Boldarini.



Residencial Alexandre Mackenzie, São Paulo - Marcos Boldarini e Sérgio Faraulo- Fonte - Arcoweb





Conjunto Várzea do Carmo - foto Cristian Milk - Google Earth

Artigo: Moradia e (in)dignidade

27 de agosto de 2011 | 16h 00


Arquiteto Milton Hatoum


Nos anos 70, quando eu estudava na Fau-Usp, um dos poemas mais lidos e comentados por estudantes e professores era “Fábula de um arquiteto”, de João Cabral.


O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.


Esses versos pareciam nortear a concepção e a organização do espaço, trabalho do arquiteto. A utopia possível de vários estudantes era transformar habitações precárias (eufemismo para favelas) em moradias dignas. O exemplo mais famoso e visitado naquele tempo era o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado (Parque Cecap) em Guarulhos. Esse projeto de Vilanova Artigas era um dos poucos exemplos de habitação social decente, mas seus moradores não eram ex-favelados.


De um modo geral, a política de habitação popular no Brasil consiste em construir pequenos e opressivos apartamentos ou casas de baixo padrão tecnológico, sem nenhum senso estético, sem relação orgânica com a cidade, às vezes sem infra-estrutura e longe de áreas comerciais e de serviços públicos. Vários desses conjuntos habitacionais são construídos em áreas ermas, cuja paisagem triste e desoladora lembra antes uma colônia penal que uma moradia. Isso acontece de norte a sul do país. Em São Paulo, os conjuntos denominados Cingapura são verdadeiras aberrações arquitetônicas, que subtraem do ser humano toda dignidade relacionada com a cidadania. É como se uma família pobre saísse de uma favela e ocupasse uma espécie de abrigo, e não um lugar para morar.


Mas há mudanças e avanços significativos na concepção de projetos de habitação social, infra-estrutura, lazer e paisagismo, projetos que, afinal, dizem respeito à democracia e ao fim da exclusão social. Um desses avanços é o trabalho da Usina. Fundada em 1990 por um grupo de profissionais paulistas, a Usina tem feito projetos de arquitetura e planos urbanísticos criteriosos e notáveis, que contam com a participação dos moradores de bairros e comunidades pobres. Trata-se de uma experiência de autogestão na construção, cujos projetos, soluções técnicas e o próprio processo construtivo são discutidos coletivamente, envolvendo os futuros moradores e uma equipe de arquitetos, engenheiros e outros profissionais. Lembro que essa experiência era um dos temas debatidos na FAU na década 70, quando líamos textos de Sérgio Ferro e assistíamos com interesse às aulas de grandes professores como Flávio Motta, Rodrigo Lefrève, Flávio Império e Luis Carlos Daher e Renina Katz, entre outros. Nessa década brutalizada pela ditadura, a prática dos estudantes no canteiro de obras era uma aprendizagem incipiente e quase utópica, mas se tornou realidade em 1998, quando foi criado o “canteiro escola”, a que o professor e arquiteto Reginaldo Ronconi acrescentou a proposta do “canteiro experimental”, uma disciplina que faz parte da grade curricular da Fau-Usp. De algum modo, o trabalho coletivo da Usina relaciona-se com a prática do canteiro experimental, que, segundo Mônica Camargo, “é uma experiência pedagógica transformadora, que permite a compreensão das relações complexas entre teoria e prática, desenho e canteiro, técnica e estética”.


Em graus variados, são essas relações entre arquitetura e sociedade que norteiam a visão e a prática de alguns profissionais que lidam com habitação social no Brasil. A arquitetura é um processo, e não um mero desenho, como diz João Filgueiras (o Lelé), sem dúvida um dos arquitetos mais talentosos e inventivos do país. Além do trabalho coletivo da Usina, há outros projetos arquitetônicos e urbanísticos relevantes, que apontam para soluções inventivas.


Acompanhei jornalistas do Estadão em visitas a conjuntos habitacionais em Heliópolis e à represa Billings, onde está sendo implantado o “Programa Mananciais”. Em Heliópolis, Ruy Ohtake projetou edifícios em forma cilíndrica, daí o apelido de “redondinhos”. A planta dos apartamentos de 50 m2 é bem resolvida, os materiais de construção e o acabamento são apropriados, e todos os ambientes recebem luz natural. Na fachada circular, painéis com cores fortes dão vida ao edifício. Esse projeto de Ohtake, e o de Hector Vigliecca (ainda em fase de construção) revelam um avanço notável na concepção da moradia para as camadas mais populares. Mostram também que é possível e desejável enterrar de vez os vergonhosos projetos Cingapura e Cohab dos anos 80 e 90.



Um dos projetos do “Programa Mananciais” é uma ousada e bem-sucedida intervenção urbana (infra-estrutura, paisagismo e lazer) numa das áreas mais pobres e também mais belas da metrópole. Situado às margens da Represa Billings, o Parque Linear (que inclui o Residencial dos Lagos e o Jardim Gaivotas) é, em última instância, um projeto de cidadania que contempla milhares de famílias dessa área densamente povoada da Zona Sul. Não por acaso esse projeto da equipe do arquiteto Marcos Boldarini recebeu vários prêmios no Brasil e no exterior. Além do enorme alcance social, o projeto foi pensado para preservar a Billings e suas espécies nativas. Penso que a realização dessa obra de engenharia e arquitetura é um dos marcos do urbanismo brasileiro. Sem ser monumental, o Parque Linear é uma obra grandiosa e extremamente necessária, concebida com uma sensibilidade estética e funcional que dá dignidade a brasileiros que sempre foram desprezados pelo poder público. É também um exemplo de como os governos federal, estadual e municipal podem atuar em conjunto, deixando de lado as disputas e mesquinharias político-partidárias.


Além de ter arquitetos e engenheiros competentes, o Brasil possui também recursos para financiar projetos de habitação popular em larga escala, como prova o programa “Minha casa, minha vida”. Mas é preciso aliar a vontade política a uma concepção de moradia que privilegie a própria vida dos moradores e sua relação profunda com o meio ambiente e o espaço urbano. Já é tempo de acabar com edifícios-pombais e casas-cubículos, que mais parecem abrigos asfixiantes, construídos com materiais de quinta categoria e péssimo acabamento.


“Construir, não como ilhar e prender”, diz um verso de João Cabral. A sociedade e o Estado brasileiro podem e devem reparar essa injustiça histórica e dar a milhões de brasileiros pobres uma moradia humana, e não um abrigo ou teto. Porque morar é muito mais do que sobreviver em estado precário e provisório.


domingo, 21 de agosto de 2011

Planejamento Urbano - Resenha do Estudo - A Cidade Autossustentável - autor: Júlio Moreno

Planejamento Urbano – orientadora professora arquiteta Vera Marques  –  autor Pedro  Costa


Livro O Futuro das Cidades - autor Júlio Moreno

 
Introdução
Neste texto de Júlio Moreno temos um estudo muito interessante sobre a possibilidade de uma cidade autossustentável  e uma análise bem sucinta dos problemas atuais das cidades e propostas para o uso ecológico, racional, salubre e sustentável.
Basicamente ele faz uma análise sobre os estudos e pensamentos do presidente do CREA-RJ, José Chacon de Assis e do arquiteto inglês Richard Rogers:

Resumo
Eng. José Chacon de Assis - ex-presidente do CREA/RJ - fonte: página pessoal do Facebook

Arq. Richard Rogers no Rio de Janeiro em 2011 - fonte: Arcoweb

Ele cita no início José Chacon,  ao falar que o futuro da cidade terá diretrizes maiores em relação ao meio ambiente através dos municípios, cita o desenvolvimento sustentável como saída para o modo de vida dos países do terceiro mundo e em desenvolvimento como meio de sobrevivência, respeitando os recursos naturais.
Cita a Eco-92, que se realizou no Rio de Janeiro, e desde então, a preocupação com as questões urbanas e os debates ambientais.
Critica o modelo da economia mundial, com o consumo exacerbado e o individualismo, gastando  recursos naturais e comprometendo as futuras gerações.
Um dado muito relevante é o crescimento entre os anos de 1950 e 1990 da população das cidades em todo o mundo: De 200 milhões para 2 bilhões, dez vezes mais num período de 40 anos. Pela primeira vez na história, hoje a população urbana mundial é maior que a rural.
O arquiteto Richard Rogers, autor do projeto Pompidou, na França, pensa que o futuro das cidades será determinado por suas próprias cidades, o pensamento é bem parelho ao professor José Chacon, diz ainda sobre o consumo das cidades (3/4 de energia e ¾ de poluição mundial), propõe repensarmos as cidades sistemas ecológicos.
Rogers resgata o pensamento urbanístico do século XIX, em que as cidades são mais adensadas, compactas e autossustentáveis. Critica o modelo americano de setorização e propõe um uso misto de moradias, trabalho e serviço, constituindo bairros mais comunitários.
Com essas cidades compactadas, desenvolvidas na sua própria estrutura autossustentável, não haveria necessidade de altos deslocamentos, assim diminuindo o uso de carros, e valorizaria mais o transporte coletivo. Critica o modelo atual, em que a necessidade do carro eleva também o glamour e o status, quanto maior a cidade maior e mais caros os serviços de transporte e estacionamento.
José Chacon fala também da possibilidade dos núcleos urbanos autossustentáveis que contribuem para a cidadania e o aprofundamento da democracia, tem um decálogo cujos itens destaca:
1-     Aplicação da ecoarquitetura: Eficiência energética dos edifícios, correta especificação dos materiais, proteção da paisagem natural e do patrimônio histórico, atenuação da urbanização e integração das condições dos climas locais e regionais;
2-     Saúde e saneamento, qualidade de água, correta coleta de lixo, proteção dos solos e tratamento dos esgotos;
3-     Transportes coletivos não-poluentes, criação de ciclovias;
4-     Proteção dos mananciais de águas;
5-     Fontes renováveis de energia;
6-     Conservação de energia; reciclagem, redução de desperdício, produtos mais duráveis;
7-     Agricultura ecológica: agricultura, psicultura e eco-turismo como atividades econômicas.
8-     Sustentabilidade aos produtos e seus rejeitos, consideração de vida útil dos produtos e seus prováveis impactos no meio ambiente, possibilidade de reciclagem;
9-     Educação ambiental, abragente em todas disciplinas nas escolas.
10- Respeito a biodiversidade, conservação e recuperação de florestas e matas, faunas e floras com repovoamento de espécies nativas.

Richard Rogers ainda cita o comportamento do arquiteto nos últimos tempos em que passou a concordar com as pressões comerciais, transformando-se em cúmplice dos conflitos que privilegiam o detrimento do coletivo. Mas também dá alternativas para o uso de tecnologias mais sustentáveis ante as poluentes.
É ainda, otimista ao citar a novas construções e o uso dessas tecnologias, como a redução de consumo de energia.
Júlio Moreno destaca também a Agenda 21 - Brasileira, desde 1999, promovido em Brasília sobre cidades sustentáveis com participação de representantes do governo e da sociedade.

Conclusão
Talvez  seja a solução,  descentralizar as ações do governo central e levar a discussão em um  nível mais próximo, de forma que a sociedade seja mais atuante.
É preciso também mudar as atitudes e o comportamento da população. Vivemos em um modelo americano, em que cada vez mais temos a necessidade do consumo. Sei que não se fará isso do dia para noite, mas seria importante o constante debate sobre isso. Não é mais tolerável que uma cidade como São Paulo conceda um espaço equivalente de um carro para o uso de uma pessoa apenas, é necessário também o melhoramento do transporte coletivo.
Um marco arquitetônico de alguns anos atrás foi a inauguração da ponte estaiada na região da Berrine/Marginal Pinheiros. Ficou muito bonita, mas não resolveu o problema, no máximo “transporta” o congestionamento para outro ponto mais a frente do trajeto. Com o que gastaram nesse projeto daria para construir uns 5km de metrô, sem contar a fortuna da Av. Jornalista Roberto Marinho (antiga Água Espraiada), outro exemplo foi o que a então prefeita Marta Suplicy fez na av. Cidade Jardim. Destruiu o desenho urbano e a paisagem daquela via, árvores e canteiros charmosos deram espaço a aridez e o começo da deteriorização da av. Cidade Jardim e Rebouças. Vários estabelecimentos comerciais e residenciais saíram dali e o problema do trânsito só se agravou cada vez mais. Trem, monotrilho, metrô, ônibus e transporte solidário (motorista e carona) poderiam atenuar o problema do transporte e da poluição, pois como bem disse o texto, quanto maior a cidade, mais caro é o transporte.
Concordo com Rogers quando ele diz que as cidades têm que ser mais densas desenvolvendo-se nos seus médios pólos, aliás, creio São Paulo não tem mais condições de crescimento e uma alternativa seria a mudança de capital, uma cidade pequena na região metropolitana ou central do estado, de modo que fosse projetada para um crescimento adensado médio (500.000 a 800.000 hab.) com avenidas largas, transporte planejado, e uso misto de serviços, residências, uso sustentável, como pensa Rogers. Uma cidade experimental. Não no modelo pomposo da cidade verde de Norman Foster, mas numa realidade mais simples e responsável.