Introdução
A cidade-jardim caracteriza-se como uma zona residencial que busca através de regulamentos definidos e grandes áreas verdes uma opção de qualidade de vida. Seu pensador Ebenezer Howard foi o difusor desse tipo de urbanismo calibrando o pensamento dos socialistas utópicos e trazendo mais próximo da realidade um modelo de desenho urbano.
Creio que para época foi um plano ousado e muito interessante como modelo de moradia e organização, mas considerado ultrapassado pelos modernistas, muitos preferiram a verticalização.
Comparando com os nossos bairros, o modelo da cidade-jardim, aqui em São Paulo , eu acho interessante esse formato urbano, já que as ruas são limpas, seus traçados são levemente sinuosos com belas casas. Penso que o modelo de “cidade” é muito complexo, e bairros-jardins teriam mais êxito. Comparo com os grandes loteamentos e condomínios com generosas áreas verdes e de proteção ambiental, ainda que seus fechamentos as tornem lugares segregados.
Esse modelo de ajardinamento, paisagístico e de desenho urbano poderia ser melhor utilizado, ainda que em menor escala em projetos para novos bairros e revitalização de bairros existentes, como embelezamento, circulação no desenho urbano da cidade. Isso traria muitos campos de trabalho para profissionais e valorizaria e regulamentaria muitos lotes e bairros existentes.
A Cidade-Jardim
A Cidade-Jardim consiste em uma zona residencial planejada para uma vida saudável, com amplas áreas verdes (idealizada pelo inglês Ebenezer Howard).
“Com o planejamento regional, as Cidades-Jardim poderiam ser distribuídas racionalmente por amplos territórios, imbricando-se com recursos naturais, em equilíbrio com a agricultura e os bosques, formando um todo lógico e esparso”. Refere Jane Jacobs, no livro “A Morte e Vida de Grandes Cidade”.
O movimento das cidades-jadim de Howard possui duas fontes: das utopias da primeira metade do século XIX, principalmente de Owen , entendida como comunidade perfeita e auto suficiente, sintetizando o campo e por outro lado, o conceito da casa unifamiliar no verde, reduzindo o ideal da cultura vitoriana na segunda metade do século, ou seja o máximo de de ruralidade na vida urbana.
Apesar de pertencerem a modelos diferentes de desenho urbano na fase pré-urbanista classificados por Choay, o movimento das Cidades-Jardins teve como fonte inspiradora as experiências de implantação de comunidades planejadas para serem auto-organizadas do século XIX, como os empreendimentos de industriais preocupados com a qualidade de vida de seus empregados. Além de proporcionarem melhores condições de trabalho, acreditavam que os conjuntos habitacionais junto às fábricas e implantados no campo poderiam ter um efeito saudável sobre os trabalhadores e conseqüentemente retornaria em benefícios para a indústria.
Letchworth-Inglaterra-1903
De acordo com Choay, esses modelos pré-urbanos do século XIX são criticados por sociólogos, pois a cidade não era vista como um processo, mas como um objeto reprodutível, extraída da temporalidade concreta, portanto, utópica, apesar das preocupações realistas socioeconômicas do autor da Cidade-Jardim. Para Choay, esse modelo é culturalista, expressado nos desenhos de Unwin e Parker em Letchworth, pois prevalece a visão cultural sobre a racionalista progressista, ou seja, as necessidades espirituais e artísticas representadas por espaços com formas menos rigorosas com particularidades e variedades prevalecem sobre a lógica racional dos espaços aplicados para qualquer lugar do modelo progressista como a Vila de Owen e o Falanstério de Fourier.
Dois homens precederam a Howard quanto a idéia de ruas limpas, belos jardins, campos livres no entorno: Ruskin (1871, Saint Georges Guild, subúrbio de Oxfor e G. Cadbury (1895, Bourn Ville, Birminghan), mas o mérito de de ter formado a teoria coerente, subtraindo tais experiências ao arbítrio dos empresários singulares, assim ele encerra a linha de pensamento dos utopistas, mostrando o irrealizável e o possível, fazendo uma distinção racional da vida urbana.A idéia de Howard era formar a maior parte verde ao longo dos lotes, de modo que a cidade não “empurrasse” tanto o campo para longe, mas a cidade usufruísse dos espaços verdes com a estrutura da cidade, ou seja os benefícios do campo como: salubridade, verde tranqüilidade junto aos serviços públicos e relacionamentos.
A visão utópica de Howard foi uma tentativa de resolver os problemas de insalubridade, pobreza e poluição nas cidades por meio de desenho de novas cidades que tivessem uma estreita relação com o campo. Ele apostava nesse casamento cidade-campo como forma de assegurar uma combinação perfeita com todas as vantagens de uma vida urbana cheia de oportunidades e entretenimento juntamente com a beleza e os prazeres do campo.
Desta união, o movimento das pessoas de cidades congestionadas se daria naturalmente como um imã para uma cidade próxima da natureza que ele considerava ser fonte de vida, riqueza e felicidade. Além disso, a indústria se deslocaria para o campo como estratégia de desenvolvimento econômico simultaneamente a produção agrícola que teria mercados prontos da cidade próxima ao núcleo rural.
Howard concebia sua Cidade-Jardim de forma a propiciar aos homens mais liberdade em uma vida comunitária renovada, diferentemente de empreendedores que pensam somente na eficácia e no rendimento. De acordo com Otoni (6), ele tinha a síntese conciliadora entre o socialismo e o individualismo, pois não acreditava no liberalismo do Estado Inglês e nem na atuação do Estado socialista controlador de todas as atividades. Reduzia o papel do Estado ao município e acreditava que sua cidade-jardim poderia ser uma empresa privada. Por isso Howard teve apoio das mais variadas posições políticas com sua posição moderadora.
Segundo Howard, a cidade-jardim seria dirigida por uma sociedade anônima proprietária do terreno, mas não das moradias, dos serviços e atividades econômicas, havendo uma liberdade quanto a negócios e particularidades, mas submetendo-se a um regulamento da cidade. Howard ainda pensa na cidade auto-suficiente, como a fusão da indústria e agricultura.
Howard era um estudioso das idéias de Cadbury e Lever, que posteriormente vieram a se juntar a ele, em 1902, na Associação da Cidade-Jardim com a “Companhia Pioneira Limitada” para a futura construção da primeira cidade-jardim.
A primeira Cidade-Jardim, Letchworth, foi projetada em 1903 com traçado simples, claro e informal, diferentemente de configurações geométricas rigorosas de tradição clássica renascentista, com um centro urbano elevado composto de árvores de porte e edifícios municipais, próximo à estação. Essa cidade foi dividida em regiões de 5.000 habitantes com suas próprias infra-estruturas.
Em 1902 funda a primeira Sociedade, a primeira cidade-jardim: Letchorworth (50 km de Londres), com um regulamento minucioso, planejada para 35.000 moradores, mas passado trinta anos a taxa de ocupação não passa de 50%.
O regulamento consiste na relação de casa e jardim, tipo de cerca, plantações, proibição de estabelecimentos comerciais em áreas residenciais, proibição de cartazes fora dos locais indicados, restrição de barulhos, toques de sinos em igrejas, escola, etc.
Em 1919, Howard faz a segunda implantação e funda a Sociedade na cidade de Welwyn, mais perto de Londres, o terreno é menor, o cinturão agrícola é reduzido e é prevista uma população de 50.000 habitantes. O sucesso de ocupação deste empreendimento é mais rápido, em 20 anos atinge uma população de 35.000 habitantes, antes da segunda guerra mundial.
Welwyn -Inglaterra - 1919
Esse progresso deve-se a algumas razões, entre elas: á proximidade de Londres, e a possibilidade de trabalhar numa cidade-jardim embora trabalhando na metrópole. Então a auto-suficiência prevista por Howard torna-se irrealizável e até prejudicial a o êxito da cidade-jardim.
Então, nesse momento, a cidade-jardim tem condições de viabilidade, ao contrário das utopias predecedentes, a cidade será reduzida a uma cidade como outras, dependente e sujeita a atração da metrópole com uma ordenação fundiária semelhante as normais. Mas a elegância dos traçados das ruas, a distribuição do verde e a concepção da marca é um referencial para a cidade-jardim.
O efeito da suburbanização nos EUA com subdivisões residenciais, zoneamento com faixas comerciais e parques industriais e comerciais, isolados fisicamente, causam vários impactos ambientais, dentre eles: a dependência do automóvel, o aumento da poluição, devastação de florestas e terras agrícolas, a concentração de pobreza nas áreas centrais e altos custos de urbanização. Além disso, causam também o enfraquecimento do espírito comunitário.
No início do século XX, os modelos orgânicos e a Cidade-Jardim começaram a ser questionados. Os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna e a Carta de Atenas, redigida em 1933 e tornada pública apenas em 1941, desenvolveram um modelo de cidade radicalmente diferente. Tirando proveito dos avanços tecnológicos na área da construção civil, as cidades passariam a ser constituídas por conjuntos de edifícios altos rodeados de espaço público e zonas verdes. A mobilidade seria assegurada por um conjunto de enormes avenidas. Emerge uma cidade funcional, segregando-se os diversos usos do solo através do seu zoneamento segundo quatro funções principais: habitar, trabalhar, recrear-se e circular. As habitações pretendiam-se bem insuladas e airosas, pelo que a localização e orientação dos edifícios deveriam ser de modo a maximizar a exposição solar e a evitar sombreamentos. O modelo de Cidade-Jardim tinha em comum a libertação de amplos espaços para usufruto público.
Apesar desse efeito e da memória de Ebenezer Howard e seu conceito de Cidade-Jardim estarem enfraquecidos, a partir dos anos setenta, década da “Primeira Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente em Estocolmo (1972)”, começam a surgir alguns empreendimentos com preocupações ecológicas, motivados pelo movimento ambientalista.
Plano de Port Sunlight, 1887. Willian H. Lever. Fonte: Arquitextos
Além do desenho urbano inspirado em bairros da Cidade-Jardim, os empreendedores de Village Homes buscaram no sistema cooperativismo defendido por Howard a implantação da Companhia de Village Homes que detém a propriedade dos espaços públicos, para que os lucros de venda de alimentos e aluguéis de lojas sejam revertidos para a comunidade.
Village Homes. Canais de infiltração (córregos sazonais). Fonte: Davis CA-Arquitextos
Conclusão
Penso que a grande qualidade de Howard foi mostrar o problema da organização e traçado urbano como modo de vida, habitação, os espaços verdes, a acessibilidade dos pedestres e transporte, etc. Howard colocou o problema de modo que se preenchesse o espaço com hierarquia e harmonia de modo que houvesse uma adequação a na sua articulação.
Uma das grandes críticas e os pontos fracos foi ter liquidado os a herança dos utopistas, ter colocado em segundo plano os problema da cidade enquanto relação de atividades humanas possam se integrar, nisso ele restringe a cidade, isolando-a com as características e serviços de um bairro auto-suficiente. Sob o ponto de vista da sustentabilidade, a expansão urbana tem baixas densidades em terras agricultáveis.
Mas, Howard foi um utopista do século XX, que acreditava no planejamento de comunidades com uma mescla de classes, desenvolvimento, sistema de cooperação e autogestão associado ao desenho da paisagem.
Apesar do tema de sustentabilidade e questões ambientais não serem discutidos na época, Howard contribuiu de maneira importante para o desenho paisagístico, regulamentos, arvoredos e manutenção de espaços públicos.
Alto da Lapa/São Paulo - Cia City/1921
Alphaville-Barueri/SP / Construtora Albuquerque Takaoka1973
Alphaville-Graciosa/Curitiba-PR/ Alphaville Urbanismo - 2002
Damha São José do Rio Preto/SP - Damha Encalso
Damha São Carlos/SP- Damha Encalso
Damha Campo Grande/MS- Damha Encalso
Fontes: Enciclopédia Larrouse (1997); Leonardo Benévolo – (História da Arquitetura Moderna); Liza Maria Souza de Andrade – (O conceito de Cidades-Jardins: uma adaptação para as cidades sustentáveis- Arquitextos 042.02 – novembro/2003) - http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/; Nuno Quental (Episódios da história do urbanismo)portal Naturlink (Portugal) http://www.naturlink.pt
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